sexta-feira, 20 de maio de 2016

A Indiferença Pode Ser Mortal

Atualmente, aqui na cidade de Campina Grande, na Paraíba, estamos vivendo a crise hídrica mais grave de nossa história. O manancial que abastece a cidade está com apenas 9,5% de sua capacidade, perdendo cerca de 0,5% a cada 20 dias, mesmo com as chuvas acima da média em 2016, e para piorar, diversos especialistas tem alertado que, por diversos fatores, cerca de metade do que resta não poderá ser captado para consumo humano e outras atividades. Então, a menos que ocorra um verdadeiro milagre, a cidade ficará sem água até o fim no ano, ou no mais tardar, nos primeiros meses de 2017.
O que assusta é que a população parece não estar preocupada com isso. Se analisarmos as postagens nas redes sociais de habitantes da cidade, a preocupação é muito maior com a proximidade dos 30 dias de festejos juninos. A Prefeitura perfurou poços visando o abastecimento do palco principal da festa, que é o Parque do Povo. Tenta tranquilizar a população alegando que não será usada água do açude de Boqueirão. Porém, nem a própria Prefeitura e nem a população parecem não atinar para o fato que há um aumento brutal no consumo de água por causa da imensa quantidade de turistas que visitam a cidade. Além disso, são comuns as cenas de desperdício de água, mesmo com um racionamento que já dura 80 horas por semana. Não é raro encontrar pela cidade, pessoas lavando carros e calçadas, jogando fora sem cerimônia, litros e mais litros de água.
Porém, há relatos de falta de água em hospitais e maternidades públicas. Situações realmente calamitosas, como um episódio relatado por uma mãe que deu a luz numa maternidade municipal e teve que lavar-se com a água de 2 copos plásticos.
Ninguém parou para pensar ainda nas consequências de um colapso total no abastecimento de água. As indústrias e serviços serão forçados a parar suas atividades, agravando uma já sentida crise econômica. Não há nenhum esquema emergencial de abastecimento, nem para a população e nem para órgãos públicos, como hospitais e escolas. Só em Campina Grande, existem cerca de 450 mil habitantes. Como abastecer essa quantidade de pessoas se a água realmente acabar?
Fazendo uma conta simples. Partindo da suposição de há uma média de 4 pessoas por habitação na cidade, teríamos aproximadamente 100 mil casas. O consumo médio de água diário no país é de pouco mais de 160 litros per capita. Mas vamos baixar para 100 litros (segundo a OMS, 110 litros são suficientes para atender todas as necessidades de uma pessoa diariamente). Cada casa então gastaria em média 400 litros de água por dia (0,4m³). Seriam necessários portanto 40 mil m³ para abastecer só as residências, sem levar em conta outros estabelecimentos. A capacidade média de um caminhão-pipa gira em torno de 8 mil litros (8m³). Cada caminhão poderia abastecer 20 casas. Seriam necessários então, dispor de 5000 caminhões-pipa para atender a demanda diária da cidade. Mesmo que só sejam entregues por casa apenas 100 litros de água diariamente (25 litros per capita), ainda assim seriam necessários 1250 caminhões por dia. Mesmo que sejam entregues por casa 100 litros por semana, diariamente teriam que ser usados mais de 170 caminhões para abastecer a cidade. E aí, surgem as perguntas: Quantos caminhões-pipa há disponíveis aqui para este serviço? Onde buscar os 40 milhões de litros de água que a cidade necessitaria? Só isso já tornaria a tarefa bem difícil de ser realizada. E os custos seriam astronômicos. Aluguel dos caminhões, compra de combustível, entre outros gastos.
Seja como for, enquanto poucos alertam para os potenciais riscos de uma crise hídrica, a maioria tem uma atitude de perigosa indiferença. Esta situação tem uma real chance de se transformar numa das maiores SHTFs já vistas nesse país. E, na verdade, há muito pouco a ser feito. Alguns apostam que o problema será resolvido com a chegada das águas da Transposição do Rio São Francisco, que, em teoria, chegam no final do ano. Porém, com a crise financeira, provavelmente o ritmo das obras se reduzirá. E, além disso, todo um conjunto de obras de adequação, como limpeza a alargamento de rios e córregos por onde as águas do Velho Chico passarão até chegar ao açude de Boqueirão ainda não foram sequer iniciadas...
Indiferença, má gestão, ausência de planos de contingência...

Aí está a receita do caos. E, se analisarmos tudo o que tem sido feito para a prevenção de crises nesse país... Vai ser só o começo...